lunes 28 octubre, 2024
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Claudio Dourado de Oliveira[1]

Após a reflexão de Jean Marc no lançamento do caderno de Conflitos, em Salvador, decidi mergulhar no que temos de mais atual das questões agrárias da Chapada Diamantina, uma região que conta com mais de 80 áreas desapropriadas pelo INCRA. Um histórico de luta riquíssimo, mas com muitas contradições. Pra ... Leer más

Claudio Dourado de Oliveira[1]

Após a reflexão de Jean Marc no lançamento do caderno de Conflitos, em Salvador, decidi mergulhar no que temos de mais atual das questões agrárias da Chapada Diamantina, uma região que conta com mais de 80 áreas desapropriadas pelo INCRA. Um histórico de luta riquíssimo, mas com muitas contradições. Pra começar, pode-se dizer que o vale do Paraguaçu (Leste da Chapada Diamantina) seja pioneiro na luta pela reforma agrária na Bahia, páreo com outras regiões do Estado, nada mais justo, já por que aqui começou o latifúndio, mas apesar disso, está muito longe superar essas problemáticas da distribuição das terras.

Na mesma tendencia nacional, grande parte da população rural, embora ligada à terra, encontra-se impedida de possuí-la em quantidade suficiente para assegurar um nível adequado de subsistência por conta do monopólio exercido por uma minoria de proprietários e fazendeiros. Segundo Jean Marc, a população é, então, obrigada a despender sua força de trabalho em benefício dessa minoria que consome a natureza e controla os meios de produção, resultando uma estrutura fundiária marcada por altos índices de concentração, não só de terras, mas também de recursos econômicos, indispensáveis para sobrevivência do povo do campo.

Parte considerável dessa má distribuição dos meios de produção tem relações intimas com “o modo como se deu o fim da escravidão foi o responsável pela institucionalização de um direito fundiário que impossibilita, desde então, uma reformulação radical da nossa estrutura agrária”. Essa desigualdade ultrapassa as questões oficiais e naturaliza no cerne do senso comum. Em 2023 por exemplo, tivemos sete despejos na região da Chapada Diamantina (caderno de conflitos da CPT), nenhuma delas por ordem judicial, mas todas elas com envolvimento direto dos prefeitos, através do consorcio Chapada Forte[2]. Isso demonstra como oficialmente as políticas regionais estão vinculadas à invasão zero[3].

Por outro lado, mesmo nas áreas já consolidadas pelo órgão do Estado destacamos muitas contradições, principalmente na regularização, divisão dos lotes, infraestruturas e sucessão rural e nas dinâmicas socioambientais[4]. Diante disso, partimos da hipótese que a função social da propriedade no Brasil não tem inspiração socialista, é um conceito próprio do regime capitalista, que legitima o lucro e a propriedade privada dos bens de produção, ao configurar a execução da atividade do produtor de riquezas. Sendo assim, desde a aquisição das terras, passando pela administração dos Projetos de Assentamentos (PA) até a viabilidade técnica nos financiamentos, dentro dos parâmetros constitucionais, são exercidas dentro do interesse geral, influência antidualista e com tendência ao agronegócio. A principal conclusão que se extrai dessa tese é que nem as propostas de reforma agrária levadas para a constituinte[5], nem o que foi aprovado no texto constitucional[6] são cumpridos na realidade.

O próprio Darcy Ribeiro relata o papel da Fazenda na estruturação do campo na identidade nacional brasileira[7], o que dificulta compreender a questão campesina como algo sociológico na configuração do Estado. “Nascendo e vivendo dentro do cercado da fazenda, numa casa feita com suas próprias mãos, só possuindo a tralha que ele mesmo fabrica, devotado de sol a sol a serviço do patrão [...]. Jamais alcança condições mínimas para o exercício da cidadania, mesmo porque a fazenda é sua verdadeira e única pátria. Escorraçado ou fugido dela é um pária, que só aspira a ganhar o mato para escapar ao braço punitivo do patrão, para se possível submeter-se ainda mais solícito ao ‘amparo’ de outro fazendeiro” (Ribeiro, 2013, p. 164).


[1] Agente da Comissão Pastoral da Terra, Antropólogo e mestre em Ensino das Ciências Ambientais.

[2] Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Circuito do Diamante da Chapada Diamantina – CIDCD. formado pelas prefeituras de Andaraí; Bonito; Boninal; Boa Vista do Tupim; Barra da Estiva; Ibiquera; Iraquara; Lençóis; Mucugê; Nova Redenção; Palmeiras; Piatã; Ruy Barbosa; Wagner; Seabra; Ibicoara; Macajuba; Ibitiara; Novo Horizonte; Marcionílio Souza; Iaçu; Itaberaba; Lajedinho; Itaetê; Iramaia; Souto Soares e Ibitiara.

[3] O grupo ruralista, criado por fazendeiros e conhecido por desfazer ocupações de terras sem respaldo em decisões judiciais na Bahia. Suspeito de atuar como uma milícia rural, o grupo é estruturado juridicamente, com CNPJ e estatuto. Conta ainda com apoio de associações empresariais, do agronegócio e de parlamentares no Congresso. 

[4] Lugares construídos/instituídos no terreno movediço das lutas de classes. Esse lugar que os indivíduos ocupam na ordem social não dado a priori, mas tecido nas próprias relações sociais que intui os lugares, dessa forma, as categorias – espaço tempo, homem e natureza estão sendo repensados e exigem um novo mapa de significações que está sendo construído.

[5] A Reforma Agrária está contida no § 1º, do artigo 1º, da Lei nº. 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra), que “considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.

[6] A Constituição nos arts. 184 a 191 direcionam suas principais políticas em busca da democratização da terra e da dignidade humana, entretanto, apresenta-se com linhas conservadoras devido à herança cultural privada do país. Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são disciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental, previsto no artigo 5º, XXII, da atual Constituição Federal.

[7] Otavio Ianni aponta o campesinato como não categoria econômica, já que não propõe a conquista do Estado Nacional, suas lutas parecem dispersas, atomizadas, mas é o fermento da história, um ingrediente das lutas sociais. Suas reivindicações entram no movimento da história e se apresentam como “modo de vida”, lutando pelas suas condições de vida, trabalho e uso do território. Uma maneira de organizar a vida, a cultura, a comunidade, não simplesmente uma participação política. Uma força que aponta e reafirma continuamente, um símbolo do futuro. O autor categoriza o campesinato como pouco politizada, pré-política, com um certo primitivismo político nas suas lutas. E, classicamente, na condição de povos sem história, de grupos sem viabilidade histórica, em certas situações (IANNI, 1986).